Carta aberta

AMAZÔNIA PARA SEMPRE

Carta Aberta de comunidades religiosas brasileiras pela preservação da Amazônia aos candidatos e candidatas à Presidência da República, governos estaduais, Senado e Câmara Federal

Somos representantes de comunidades e organizações religiosas e manifestamos nossa grande preocupação com a grave destruição do meio ambiente, especialmente da floresta amazônica. Para nós, o amor ao divino, nas diversas expressões do sagrado, das diferentes matrizes, inclusive aquelas das cosmovisões indígenas, exige o cuidado com a vida na Terra e a natureza, que nos provêm alimento, trabalho e a base de toda a vida em comunidade com nossos irmãos e irmãs de fé.

A Amazônia é uma dádiva, é um paraíso na Terra, uma das mais maravilhosas expressões do amor divino pela humanidade e por todos os demais seres da natureza. Nela habitamos, dela dependemos para viver, nela encontramos beleza, alimento, inspiração, saúde, alegria e esperança. Na harmonia de seus ecossistemas encontramos o exemplo para vivermos em comunidade, cooperando uns com os outros, através da compreensão de que tudo nela é solidário. No saber acumulado pelos povos que habitam as florestas, temos a oportunidade de aprendermos como viver em paz, entre nós e como parte da natureza.

Esse território abençoado é o lar de cerca de 180 povos indígenas conhecidos e outros tantos isolados. A Floresta é lar também de grandes populações quilombolas e de inúmeras comunidades locais e de cerca de 20% das espécies vivas existentes no planeta. A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo é a grande fonte de água doce para os oceanos e responsável pelo abastecimento hídrico de grande parte do território brasileiro e do continente sul-americano. Cumpre papel fundamental na regulação do clima do planeta, na ciclagem de carbono e de água e fornece inúmeros produtos essenciais para a sobrevivência das populações locais e para a economia brasileira. Guarda também um estoque gigantesco de carbono, cuja conservação é vital para evitar o colapso climático da Terra.

Portanto, nos dirigimos aos senhores e senhoras para solicitar que exponham, em suas ideias e práticas políticas, qual será seu compromisso e cuidado com a preservação desta Casa Comum chamada Amazônia. Não podemos aceitar que a destruição da floresta e de tudo o que ela representa para nós, seja tratada com indiferença por parte das pessoas que pretendem governar esse vasto território de fundamental importância para o planeta Terra e para toda a humanidade.

O panorama atual de devastação faz com que nos aproximemos      cada dia mais do momento em que nossa maravilhosa floresta amazônica deixará de ser a mais rica, biodiversa e úmida, perderá seu dossel esplêndido, transformando-se em uma mata savânica, com poucas espécies de plantas, árvores e animais. Temos pouco tempo para agir a fim de evitar que a floresta seque ainda mais, aumentando a frequência e o poder de devastação dos incêndios.

Estima-se que essa trágica situação deverá acontecer em alguns anos, como já apontam instituições e relatórios científicos renomados, caso o desmatamento do bioma atinja aproximadamente 25% de sua extensão. Já perdemos 21% da floresta original e outros 20% dela estão muito degradados pela exploração ilegal de madeira, garimpo e pelo fogo, sobretudo para abertura de pastagens e grilagem.  

Apenas entre 2019 e 2021, foram destruídos 34.215 quilômetros quadrados de florestas, uma área maior que muitos países, e perdemos 1,9 bilhão de árvores, o que equivale a aproximadamente 20 árvores ceifadas por segundo. Isso sem contarmos os bilhões de vidas perdidas ou extintas da fauna amazônica, como mamíferos, insetos, répteis, aves e peixes, além dos micro-organismos do solo. Nesse mesmo período, cerca de 2 bilhões de toneladas de CO2 foram liberadas na atmosfera, o dobro da quantidade de CO2 emitida por toda a indústria da aviação mundial em 2019, agravando, assim, ainda mais a crise do sistema climático global.

Em 2021, as taxas de desmatamento aumentaram em todos os estados e atingiram 13.235 km2, um aumento de 75% em relação a 2018. Em apenas 3 dias deste mês, já se registrou metade das queimadas ocorridas em todo o mês de setembro do ano passado.

Ao contrário dos que dizem que o desmatamento é necessário para desenvolver a região, constata-se que a perda da floresta tem sido acompanhada por sofrimento, dor, miséria e desesperança para a maioria da população. A devastação caminha de braços dados com o aumento da violência, da criminalidade e com as violações dos direitos humanos, especialmente contra os povos indígenas e as comunidades locais. Os 20 municípios campeões de desmatamento de 2019 a 2021 são também os campeões de pobreza, desigualdade, violência e baixo índice de progresso social.

As promessas de desenvolvimento em seus programas de governo e plataformas parlamentares dependem de recursos naturais da Amazônia, que foram intensamente explorados no passado e que continuam sendo no presente, mesmo em risco de esgotamento e extinção, para atender a demandas econômicas nacionais e internacionais. O enfraquecimento das leis e da fiscalização ambientais e o contínuo e impune aumento das atividades ilegais têm sido o fator de maior devastação da floresta e agressão contra seus animais e suas populações.

Ressalte-se a resistência heróica das comunidades locais. Apenas 13% da área total desmatada na bacia amazônica está no interior dos territórios indígenas e áreas legalmente protegidas, mesmo com toda a pressão que enfrentam, com invasões frequentes e todo tipo de agressão.

Em seu artigo 225, nossa Carta Magna estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Além disso, define, em seu parágrafo 4º, a Floresta Amazônica brasileira como patrimônio nacional, obrigando o poder público a adotar medidas para sua preservação. Também, no mesmo artigo, no parágrafo 1º, o inciso VII nos lembra o dever de “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.”

Na Amazônia brasileira vivem cerca de 28 milhões de pessoas, que dependem da preservação da floresta para viverem com dignidade. Portanto, é imperativo que o Estado Brasileiro reoriente o modelo de desenvolvimento da região, abandonando o modelo ganancioso de exploração dos recursos naturais e de desrespeito à terra, aos animais e aos povos que dela vivem, para construir de forma democrática, com a participação de todos, um modelo sustentável de desenvolvimento e preservação, garantindo que a floresta amazônica viva para sempre e sua diversidade de povos e culturas sejam igualmente preservadas.

Consideramos fundamental lembrar que o Brasil sabe como deter a devastação da Amazônia. Entre 2004 e 2012, o desmatamento foi reduzido drasticamente. Caiu 83%, sem aprofundar a pobreza nem paralisar a economia do país e da região amazônica. Logrou-se esse extraordinário feito demarcando cerca de 50 milhões de hectares de terras indígenas e criando 24 milhões de hectares de unidades de conservação e diversos assentamentos para agricultura familiar. Somado a isso houve fortalecimento das instituições públicas ambientais, ampliando a cooperação internacional, combatendo a criminalidade e estimulando o crescimento da economia e do emprego, mantendo-se a floresta em pé. Isso tudo só foi possível a partir da ação integrada dos governantes dos três Poderes da República, da transparência nos dados e informações e do diálogo e participação de cientistas, organizações sociais, povos indígenas, comunidades locais e empresários.

Portanto, baseadas nessa experiência de sucesso, nós, lideranças religiosas das várias tradições existentes no Brasil, dirigimos esse apelo aos senhores e senhoras candidatos à Presidência da República, aos governos dos estados da Amazônia Legal e aos candidatos aos parlamentos estaduais e federal. Pedimos que se comprometam com a retomada e atualização do Plano de Ação Para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e que seja criada uma Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, tendo a bioeconomia da floresta, a educação, o desenvolvimento científico, a valorização dos saberes e culturas tradicionais e o estímulo ao empreendedorismo como seus eixos principais, como proposto pelo Painel Científico da Amazônia e por outras iniciativas existentes. 

Esperamos o compromisso dos senhores e das senhoras à nossa Carta Aberta, e solicitamos que em seus pronunciamentos públicos, propagandas eleitorais, planos de governos e, sobretudo, nas prioridades estabelecidas em seus mandatos públicos, a defesa da terra que nos foi dada, seja de fato cumprida. Pois o preceito religioso que todos compartilhamos nos destina à solidariedade e ao cuidado da natureza e das pessoas. Que Deus nos abençoe com a esperança de um futuro melhor para todos os seres humanos e não humanos: para toda a natureza.

São Paulo – SP, 10 de setembro de 2022.

 

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